quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O Assassinato da Ética

        O caos era iminente. Quaisquer suspiros de moral ou de ideologia eram logo sufocados pelo ar corruptível daquela bela terra, bela aos olhos leigos. Seu futuro cheira a tragédia e seu passado (sujo) não trilha exemplos a serem seguidos. Eis a corrupção no Brasil. A bala que fere a nação, que a submete ao fado do retrocesso. A bala que assassina a ética.



        O Brasil cresceu ao lado da corrupção. Ainda menino, cedia palco para o contrabando. Pau-Brasil, ouro, diamante, tabaco. Os ficais públicos logo tratavam de ampliar suas receitas desviando mercadoria para o comércio ilegal. Essa realidade foi moldada e tranposta para cada fase da história do país. 
       A corrupção encontrou um porto em nossos representantes. E tudo o que somos devemos também a ela: nossos hospitais aos pedaços - onde falta aparelhagem, estrutura, medicamentos -, nosso sistema educacional deplorável, incorreto, ineficaz, nossas estradas em péssimas condições, a miséria de nossa população. Sim, a miséria. 
         O investimento que não chegou, a propina que desviou o profissional para o caminho imundo, o jeitinho brasileiro, a malandragem. Mesmo sendo um verdadeiro nó cego em nossa história, isso não faz parte do ser brasileiro, não é uma problemática cultural. A problemática verdadeira está na tolerâcia, na falta de impunidade. Encaramos a corrupção como uma regra comum e, desacreditados, toleramos o assassinato da ética. O nó pode ser cego, mas nós temos tesoura. Vamos exercitar a intolerância, vamos gritar, unir forças, vozes, mentes. Vamos juntos, juntos e inquietos, lutar por um Brasil futuro menos trágico, menos corrupto.



Brasil - Cazuza 


Charges - Angeli


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Rio por três olhares


Pão de Açúcar 
     Os morros fazem parte de uma obra de arte imensa, milimetricamente hamônica, milimetricamente perfeita. O mar frio e azul tem cheiro de mar, de pureza. Pureza de uma sinfonia perpétua que acaricia os ouvidos da cidade maravilhosa. As gaivotas ensaiam uma dança graciosa. E voam. E cantam. E pairam. E pairo. Pairo hipnotizada diante de tamanha beleza. E todo ceticismo e toda falta crença se esvaem inevitavelmente ali no bairro da Urca, no pão que Deus açucarou. 


Corcovado - Tom Jobim



Copacabana - Vinicius de Moraes

Tu, Copacabana, 
Mais que nenhuma outra foste a arena 
Onde o poeta lutou contra o invisível 
E onde encontrou enfim sua poesia 
Talvez pequena, mas suficiente 
Para justificar uma existência 
Que sem ela seria incompreensível.


 Recomendo:

- Ai De Ti, Copacabana - Rubem Braga

- Vista ideologia. Vista Chico Rei.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Tempo futuro


 Theaters Other Embrace - Norma Bessouet

         Sobre esse futuro estranho que está à porta, mas optou por não bater. Eu não tenho certeza se ele chegou. Eu não tenho certeza se foram seus passos que eu ouvi lá fora ou se foi um passado que insiste em ser relembrado, quer chamar atenção, pede colo. Eu não sei... Tá meio escuro aqui dentro, eu não consigo enxergar nada direito. Talvez seja a hora de parar de me preocupar com quem está à porta e abrir um pouco as janelas. Quem sabe assim entra uma brisa e um pouco de luz.

Marianna Viana

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Civilização e violência


     

        Éramos livres, felizes. Éramos iguais perante tudo. O estado de natureza (idealizado pelo filósofo Jean-Jacques Rousseau) relata as benesses do "homem natural", anteriores ao inevitável estabelecimento da sociedade civil, que corrompe, acorrenta, que promove a desigualdade.
        Desigualdade. Este termo grita nas grandes cidades brasileiras e é berço das ondas de violência que têm aterrorizado o Brasil. Elas nos cercam com a banalização da vida e denunciam as falhas que propiciam a expansão do crime organizado. 
        Desigualdade social exacerbada, educação pública de má qualidade, expansão da criminalidade, deturpação e ineficácia da segurança pública, falta de impunidade, descaso com o sistema carcerário. Foram essas falhas que vitimaram as 115 pessoas na Grande São Paulo só neste mês. As mesmas falhas que transpõem a selvajaria para "homem civilizado" e o tornam - à medida que ele se enclausura para fugir da violência - menos livre e menos feliz.


Saiba mais: Folha de S.Paulo
                    Exame
                    G1



                 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Refúgio

   


       Nas manhãs que desabrocham miúdas de inspiração, eu a tomo como refúgio. E ela me abre os olhos para enxergar a profundidade do viver. E ela me enche de inspiração. Transborde arte, viva arte.

Norma Bessouet

                                                                   Matias' Vision

Clarice Lispector

Come, meu filho
O mundo parece chato mas eu sei que não é. Sabe por que parece chato? Porque, sempre que a gente olha, o céu está em cima, nunca está embaixo, nunca está de lado. Eu sei que o mundo é redondo porque disseram, mas só ia parecer redondo se a gente olhasse e às vezes o céu estivesse lá embaixo. Eu sei que é redondo, mas para mim é chato, mas Ronaldo só sabe que o mundo é redondo, para ele não parece chato.
- . . .
- Porque eu estive em muitos países e vi que nos Estados Unidos o céu também é em cima, por isso o mundo parecia todo reto para mim. Mas Ronaldo nunca saiu do Brasil e pode pensar que só aqui é que o céu é lá em cima, que nos outros lugares não é chato, que só é chato no Brasil, que nos outros lugares que ele não viu vai arredondando. Quando dizem para ele, é só acreditar, pra ele nada precisa parecer. Você prefere prato fundo ou prato chato, mamãe?
- Chat... raso, quer dizer.
- Eu também. No fundo, parece que cabe mais, mas é só para o fundo, no chato cabe para os lados e a gente vê logo tudo o que tem. Pepino não parece inreal?
- Irreal.
- Por que você acha?
- Se diz assim.
- Não, por que é que você também achou que pepino parece inreal? Eu também. A gente olha e vê um pouco do outro lado, é cheio de desenho bem igual, é frio na boca, faz barulho de um pouco de vidro quando se mastiga. Você não acha que pepino parece inventado?
- Parece.
- Onde foi inventado feijão com arroz?
- Aqui.
- Ou no árabe, igual que Pedrinho disse de outra coisa?
- Aqui.
- Na Sorveteria Gatão o sorvete é bom porque tem gosto igual da cor. Para você carne tem gosto de carne?
- Às vezes.
- Duvido! Só quero ver: da carne pendurada no açougue?!
- Não.
- E nem da carne que a gente fala. Não tem gosto de quando você diz que carne tem vitamina.
- Não fala tanto, come.
- Mas você está olhando desse jeito para mim, mas não é para eu comer, é porque você está gostando muito de mim, adivinhei ou errei?
- Adivinhou. Come, Paulinho.
- Você só pensa nisso. Eu falei muito para você não pensar só em comida, mas você vai e não esquece.




quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A imigração na terra do carnaval de etnias



      Brasil, a terra das palmeiras e do sabiá, território vasto, grandioso, que esbanja cultura, que cheira a miscigenação. Cada região brasileira é um novo cenário: as bombachas gaúchas, o samba carioca, os bonecos de Olinda, o Bairro da Liberdade, o olodum. Somos um verdadeiro carnaval de etnias, somos a expressão máxima de um legado cultural rico e diversificado. E isso foi proporcionado pelos tantos imigrantes que nosso país acolheu ao longo da história. Não se pode, entretanto, limitar ao passado a análise desse fluxo imigratório. O Brasil - cada vez mais bem visto no exterior em função da prosperidade econômica - atrai diversos imigrantes, de diversas etnias. E é a eles que devemos nos ater.
        O movimento imigratório sempre foi um aspecto importante para o entendimento da dinâmica da economia brasileira. E uma breve passagem pela história demonstra isso: em tempos de colônia, os mais importantes gêneros agrícolas - o café e a cana-de-açúcar - foram sustentados pelo suor dos escravos, os africanos, os imigrantes forçados, sem escolha de destino; com o declínio do tráfico negreiro e, posteriormente, com a abolição da escravatura, a força de trabalho vigente caiu por terra. Terra, emprego, melhores condições de vida. A propaganda perfeita atraiu japoneses, italianos, alemães, holandeses, portugueses. E eles chegaram, movimentaram a economia do país, trouxeram seus costumes, sua cultura, foram incorporados por cidades e fundaram outras. Essa análise do passado demonstra a relevância do fluxo imigratório para o país e, assim, serve de base para a elaboração de soluções sensatas que regulamentem a atual situação do imigrante.
        Eles são vindos do Haiti, da Bolívia, de países da África subsaariana, entram de forma ilegal no território brasileiro, entram com poucos trocados do bolso, entram tocados pela esperança de uma vida melhor. No entanto, as pretenções são frustradas pelas péssimas condições de moradia, pela exclusão no mercado de trabalho e pela rejeição por parte da sociedade. É aí que se fazem necessárias as soluções para regulamentar tal situação. Primeiramente, não há como permitir a entrada indiscriminada de imigrantes, afinal, o Brasil também tem seus problemas, também convive com a fome, com o desemprego e não queremos agravar nossas estatísticas. O fundamental seria uma entrada comedida, que direcionasse cada imigrante para o local onde sua mão-de-obra (qualificada) fosse mais facilmente absorvida. É também fundamental o exercício da inclusão. Não se pode ensaiar a xenofobia praticada pelos espanhóis: nós brasileiros, que tanto reivindicávamos tal postura, devemos reconhecer os imigrantes e inclui-los em nosso contexto social.
        As bombachas, o samba, o olodum, os bonecos de Olinda. O imigrante suou nesse carnaval de etnias, impulsionou sua economia e hoje - depois de anos como o país do retrocesso - somos o país da prosperidade, a sexta maior economia mundial. É inegável a importância do movimento imigratório para o Brasil, tanto o do passado quanto o do presente. Este último precisa de regulamentação, o que se constitui em uma postura que deve partir da sociedade e do governo. Cabe à sociedade praticar a inclusão social do imigrante e a aceitação dos seus costumes. Já ao governo cabe a elaboração de políticas públicas eficazes que fiscalizem a entrada comedida de imigrantes e que os incluam no mercado de trabalho - absorvendo sua mão-de-obra qualificada. Precisamos oferecer um suporte para que eles se instalem aqui, melhorem de vida, movimentem a economia e sejam incorporados pelo país da miscigenação. Precisamos mudar, incluir, para que o Brasil das palmeiras e do sabiás não seja visto como o Brasil do descaso e da exclusão.

- A revista Superinteressante elaborou um super infográfico sobre esse tema. Confira:
Republica Imigrante do Brasil


terça-feira, 16 de outubro de 2012

A construção do "ser criança"

        Ser criança é ser amado, educado, protegido. É brincar de amarelinha, de bola e de boneca. É ouvir histórias. E vivê-las, no mais fantástico faz de conta, que reina na infância e se esvai aos poucos, até que paramos de nos impressionar com as coisas e a realidade crua substitui o mundo imaginário. Tristemente, essa visão é inserida de forma precoce na vida de muitos brasileirinhos: o seu "ser criança" é roubado pela violência, pelo abuso sexual, pelo trabalho infantil, pelo abandono.
         A desconstrução do "ser criança" começa com a violência. E a mais expressiva é a doméstica. Os responsáveis por zelar pela educação e pelo bem-estar são, paradoxalmente, os principais responsáveis por tornar a infância uma fase de traumas. Isso é ratificado pelas estatísticas: de acordo com dados da Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 80 % das agressões contra jovens brasileiros de 5 a 17 anos são provocadas por parentes próximos. É um percentual alarmante, que deixa marcas muitas vezes irreparáveis. Marcas roxas nos bracinhos frágeis, marcas psicológicas de uma infância sem carinho e sem atenção, marcas deixadas por uma sociedade que não sabe cultivar o "ser criança", que não sabe se preparar para um futuro melhor. A esse cenário deplorável soma-se a violência sexual - dentro e fora do meio familiar. Os casos de brasileirinhos submetidos à prostituição, ao abuso e ao turismo sexual constituem uma problemática vergonhosa, que exige diversas medidas por parte do Estado e da sociedade.
         A desconstrução continua com trabalho infantil. Ele vitima cerca de cinco milhões de jovens no Brasil, o que gera um ciclo de malefícios em suas vidas: família pobre, contribuição precoce na renda, trabalho infantil, abandono da escola, fase adulta, sub-emprego, família pobre, contribuição precoce por parte das crianças. E continuam os malefícios. E continuam por diversas gerações. Está explícito na Constituição Brasileira que é ilegal, mas a exploração da mão-de-obra infantil continua presente em núcleos urbanos e rurais. Essa prática é utilizada, por exemplo, em muitas carvoarias brasileiras. Lá as crianças são privadas de educação, de carinho; passam horas perto de fornalhas, desenvolvem doenças respiratórias e (invisíveis à ótica individualista da nossa sociedade) são exploradas, tratadas como um instrumento de baixo custo. 
         Não se pode cair na comodidade e ignorar a existência dessa problemática. É preciso fazer da nossa voz um instrumento de denúncia. É preciso questionar, exigir mudanças, sugerir mudanças e fazer parte delas. Em relação à violência contra a criança, vizinhos e familiares não agressores devem ter acesso a eficazes redes de disque-denúncia e a sistemas amplos de assistência social. Além disso, seria de suma importância a criação de patrulhas policiais voltadas para o combate às redes de prostituição infantil e ao turismo sexual. Já em relação ao trabalho infantil, é primordial que a jurisdição brasileira adira a medidas mais rígidas - e que sejam fortemente divulgadas pela mídia - para combater esssa prática ilegal. E, por fim, é necessária a educação. Ela quebra o ciclo do sub-emprego, proporciona uma vida digna, politiza e forma cidadãos comprometidos com os rumos do país. E nós precisamos desses cidadãos, que respeitam os brasileirinhos, que preservam o "ser criança".